Maldição dos 27? Tá bom...

Amy Winehouse era genial. Amy Winehouse era suicida. Logo toda pessoa genial como Amy é suicida.

Tão verdadeira quanto as duas primeiras afirmativas, a terceira delas é falsa. É um axioma forçado, fácil de ser contestado e apenas a desculpa para começar este texto. Nele não vou escrever sobre a morte de Amy, até porque outros já o fizeram e alguns ainda vão fazer com mais paixão e precisão do que eu, embora eventualmente o papo vai descamba para a dita cuja.

Meu interesse está na reação das pessoas, da mídia, do ecossistema pop reagindo a notícia, pelo menos do modo que foi interpretado por um leigo, meio que curioso sobre esses ecos.

Pois, todos disseram que Amy era um trem descarrilhado procurando um abismo pra cair e que, portanto, sua morte era a crônica de uma tragédia anunciada. Ouviu-se de tudo um pouco, mas essa é a impressão geral, assim como, do ponto de vista artístico, a sua carreira fora tão curta quanto marcante, fruto de sua genialidade como compositora e originalidade como interprete. Back to black (2008) era espetacular, assim como Frank (2005) já era um preview da inovadora "diva" pop.

Dadas estas afirmativas, ambas - novamente - do ponto de vista de um leigo, um mero expectador, verdadeiras, estabeleceu-se este fim de semana, após o anúncio de sua morte, um embate sem sentido, sobre não reverenciar alguém que jogou a vida fora nas drogas, deixando para trás a chance de fazer e viver uma carreira brilhante.

Mais, criaram - ou deram mais destaque - à maldição dos 27, idade na qual morreram outros astros (Joplin, Hendrix, Cobain, entre outros) e que ceifava mais uma alma genial.

Me assusto com estas abordagens, onde a correlação entre genialidade e auto-destruição, no universo pop, andam de mãos dadas, como se o "fardo" do sucesso pelo talento acima da média fosse tão pesado que não permitisse à um mortal carregá-lo.

E Amy (e Cobain, e Joplin, e Hendrix, e etc...) eram só isso, mortais, a quem foi dado um dom e, como a todos nós, um meio onde viver e se desenvolver e, neste meio, escolhas que deviam ser feitas e em que as respostas a cada uma delas eram fruto de nosso aprendizado e vivência neste próprio meio.

É só isso. Nem mais nem menos.

Podem argumentar dizendo que foi justamente o meio (neste curto espaço de tempo que durou sua carreira) que a levou para este desfecho. Mas como? Ela não viveu, aprendeu e amadureceu, antes da carreira e da fama?

Se a resposta for sim, bom, então ela, durante sua infância, adolescência e juventude, recorreu a família ou amigos, exemplos e referências, mas estes não foram bons. Se a resposta for não, vale a dizer que ela simplesmente não teve a quem recorrer. Em ambos os casos, por motivos diferentes mas convergentes, as escolhas tardias foram as escolhas erradas.

Tudo isso para dizer que, independente da genialidade ou da mediocridade, a maldição dos 27 existe para qualquer pessoa. Para tanto, basta não ter uma referência.

Assim, junto dois trechos ouvidos (lidos) do Inagaki hoje: "Campanha a favor da vida: cada um que cuide da sua!" e, mais adiante, nos comentários deste mesmo post, em resposta a uma comentarista que vinha com a velha ladainha do mau exemplo da Amy para a "juventude":
"Achar que crianças se drogam por causa de uma cantora que morreu precocemente, e não porque têm pais distantes, problemas pessoais ou condições precárias de vida, dentre tantos motivos possíveis, é como culpar videogames por ataques em escolas; não é por esse caminho que resolveremos a tal questão da crueldade do mundo. Crianças precisam aprender a ter respeito, compaixão e discernimento, isso sim." 
Resumindo o forrobodó: não deixem que ninguém eduque os seus. Eduque-os você mesmo. E seja (aprendendo para isso) bom. Mas se você não desistir, ignorar ou transferir esse papel, já vai dar (e muito) para o gasto.O que vimos em Amy foi exatamente o fruto dessa negligência.

Nesse momento, aqueles que atiram pedras na falecida pensam que o exemplo dela deseduca, ignorando seu próprio exemplo como referência. Da mesma forma, quem a idolatra e não a questiona, não se permite (nem àqueles que devem educar) refletir sobre o que de fato aconteceu.

Uma pessoa morreu. Provavelmente foi overdose. Foi isso que aconteceu. Sem esquecer o que ela produziu, sem menosprezá-la pelo que ela deixou (e da maneira que deixou) de produzir, respeitemos e aprendamos,

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